"Até mesmo o silêncio é um texto."

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Come-come.

Antes de ler, jogue aqui por pelo menos cinco minutos.

Pensei nisso dias destes, enquanto rememorava o evento que consumiu horas de internet de alguns usuários do Google que se divertiram jogando o clássico Pac-Man. Em 22 de maio deste mesmo ano, a gigante da internet transformou sua logomarca em uma versão jogável da bolinha amarela. Eu mesmo perdi alguns minutos, entretido em comer as bolinhas menores e os fantasmas, vez em quando.
Não lembro qual foi o ponto exato de convergência entre a ideia e o jogo, mas foi que relacionei a sistemática, a “história” em que o game transcorre e adquire sentido: comer todas as bolinhas do cenário sem que os fantasmas te alcancem, ao nosso cotidiano, à nossa vida em contraste às forças opressoras que nos fazem viver da forma que vivemos.
Como vivemos em constante busca de capital, de dinheiro para poderar assegurar a sobrevivência primeira - comida - a analogia parte do príncipio que o personagem principal, Pac-Man, vulgo Come-come, age como ser-humano comum que vive dentro de um esquema social capitalista. A sua razão primeira de viver é comer para continuar vivo e, para isso, precisa do dinheiro que é simbolizado pelas bolinhas amarelas, cor que remete ao ouro. A nossa vida e as três do Come-come giram em torno de conseguir tanto dinheiro quanto estiver disponível no cenário, para o qual ainda não achei uma referência real que cobre cem por cento do significado que ele tem no jogo. Até aí, é até muito fácil. Porém há os quatro fantasmas que, gradativamente, começam a perseguí-lo através do labirinto.
Nesse momento, a vida do personagem se torna uma fuga e uma busca, que fica cada vez mais difícil. Para passar a outro cenário, é necessário comer todas as pequenas bolinhas que estão cada vez mais escassas. Essa restrição pode ser encarada como o nosso código moral, nosso código de leis, que proíbe algumas formas de se adquirir dinheiro-comida (não podemos roubar dos outros, por exemplo) e deixam poucas maneiras de consegui-lo. A mais comum, pelo trabalho.
Ficou em aberto a questão dos fantasmas, os elementos opressores e perseguidores do cidadão Come-come. Imediatamente, assumi que eles seriam o governo, a estrutura governamental. Vivendo no Brasil, tendo que trabalhar 148 dias do ano para pagar os impostos, sinto muitas vezes que sou o Pac-Man, correndo atrás de dinheiro e mais dinheiro para compensar aquele que deixo nas mãos do Estado.
Parece que a vida tem-se resumido a isso: uma correira sem fim atrás de um instrumento de valor abstrato (mas que compra coisas concretas), sem tempo para parar para respirar, para pensar no que está acontecendo e discutir se isso é certo ou errado, bom ou ruim, decente ou indecente. Assim, vou correndo atrás das minhas bolinhas por aqui, você por aí. Apenas tome cuidado: ao contrário do Come-come, nós só temos uma vida.

P.s: Existem ainda as grandes bolas amarelas que dão poder ao Pac-man para poder se livrar dos fantasmas. Vejo como bom exemplo o sujeito que ganha uma bolada na loteria. O estado ainda tira dele uma parte, mas isso não passa de cócegas na fortuna que o deixa viver tranquilamente.

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