"Até mesmo o silêncio é um texto."

quarta-feira, 11 de março de 2009

Blank.

De súbito abri os olhos. Vi piscando no teto os reflexos das luzes que lançava o celular, enquanto vibrava e dançava na estante do lado da cama. Tirei o braço do quente das cobertas para lançá-lo ao frio e apanhar o aparelho que enchia o silêncio da noite com Wind of Change. Coloquei o visor à frente do rosto, o que fez minhas pupilas arderem e tive que fechar os olhos. A música insistente e alta me obrigou a forçar a vista, e depois de ela adaptar-se à toda aquela luminosidade, pude ler: “Alemão chamando!”. “Ai Lindomar, fala pra mim que você não fez isso...” foi tudo o que eu pensei.

-Alô Gugu, isso são horas? - mas que horas eram aquelas? Eu não sabia bem.

- Uaah, Gian! A gente ta aqui na frente. Tá?

- Mas..?! Tá...

Desliguei e logo olhei o relógio. “02:33”. Levantei e vesti o casaco. O rádio mostrava que o cd do Maná tinha há muito parado de tocar, deixando a luz vermelha da última faixa iluminando o quarto. Desliguei também o rádio, coloquei os chinelos de pano e fui para frente de casa. Só os bruxos pra fazer uma coisa como aquelas! Abri a porta de ferro e vi o Fiesta parado em frente ao portão, de um lado a silhueta do Gugu, do outro, a do Rato, e esse conversava com um terceiro que estava ainda sentado dentro do carro. Sorri e disse:

- “Fala pra mim que você não fez isso”...

- Gian, tira essa roupa e vamo no Rock! - Os olhos ainda estavam sonolentos, o frio subia sorrateiro pelas minhas pernas, e alguma coisa no meu cérebro avisava qualquer coisa sobre uma prova de vestibular que eu faria amanhã. Não... hoje! Fiquei pensando um pouco, olhei para os próprios pés e esfreguei os olhos.

- Ta, já venho aí...

Quando fui lavar o rosto para sair, sem querer deixei entrar sabão nos olhos. Ardeu.

Lá dentro do Rock a coisa foi bem louca. Eu já tinha visto que aquele terceiro que estava dentro do carro era, na verdade, uma terceira. A Tuta, amiga nossa. Achamos rapidamente uma mesa pra jogar sinuca, e, tão logo quanto, uma caipirinha nos encontrou. Rimos bastante, bebemos o bastante. Tivemos uma noite daquelas!
E então voltamos.
No portão de casa, despedi-me dos bruxos e, assim que fechei a porta, senti uma necessidade de evacuar. No caminho até o banheiro, fui abrindo o cinto com certa dificuldade. Levantei a tampa e sentei no assento gelado, mas não senti tanto impacto, eu tinha bastante caipirinha no corpo. Fiquei muito tempo ali sentado, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a mente voando longe, até que me ocorreu que aquela vontade não passara de um alarme falso. Passei o papel à guisa de conferência, só pra ter certeza. Feito isso, levantei contente e fui para frente do espelho da pia, pegando já minha escova de dentes. Meu sorriso refletido mostrava que eu estava pleno de alma.

De repente, parei com a escova nas mãos, fitando meus olhos azuis no espelho. Eu não sorria mais, acabava de me dar um branco. Não conseguia lembrar do que se passou em minha mente desde o momento em que sentei na privada até ali. Foi como se eu tivesse pulado aquela porção do tempo, embora eu tivesse a certeza de que eu vivera aqueles momentos e tivera pensamentos realmente felizes. E agora não conseguia recordar. Perguntando a mim mesmo no espelho o que havia acontecido nos porões da minha mente, não obtive resposta. Contudo eu tinha certeza que até mesmo o sentido da vida eu tinha descoberto. E agora estava tudo perdido, naquela breve página branca do livro da minha vida.