"Até mesmo o silêncio é um texto."

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Controle da situação.

O árbitro apita e o jogo acabou. Mais uma vez, o seu time o decepcionou. Futebol é ingrato. A paixão de fã é sempre platônica. A relação, complicada, cheia de altos e baixos. Entretanto, desligada a televisão, a vida segue. A ida ao banheiro, o escovar os dentes e o urinar, tudo corre como antes. A noite lá fora, o silêncio escuro da cidade adormecida. Os postes não acendem, problemas decorrentes das fortes chuvas. Chega à cama e estende-se. Cruza as mãos atrás da cabeça e fecha os olhos. Sente falta de alguma coisa. Falta o sono. Ingrediente primordial para adormecer. Na falta de algo melhor, a mente se perde em pensamentos, alguns profundos, outros nem tanto. O que se pode esperar, afinal. Na verdade, não gosta de esperar. Puxa um Bukowski da estante, o último do beberrão. Lê, ri, sente pena. O pobre coitado, tão sem motivos pra viver senão o próximo gole. Gracejando, ainda: "apalpei meu coldre, o 38 estava ali. O melhor pau-duro que um homem pode ter". Quando o escreveu, devia estar nas últimas. Passou hora. Agora sim, dormiria. Fechou os olhos, só mais pensamentos: pegue Bukowski, troque o ácool por analgésicos e adicione um notável M.D. e teríamos um belo Dr House. Porém não é correto comparar pessoas com personagens. Vira para cá e para lá, cobre-se e descobre-se. Pega mais uma vez o livro e lê, ávido. O ponteiro avança cruel, já não há mais esperança, inútil lutar. A batalha acabou e a insônia venceu. Levanta e vai à cozinha. Uma pêra goela abaixo, mas não, ainda falta algo. Na geladeira, um ovo, que não fora apunhalado. É isso e o ovo cozinha. Goela abaixo com sal. Rocky não colocava sal, Rocky também não cozinhava. Já passa das três e o despertador está programado para as seis. Vamos de novo. Deita, fecha olhos e... pensa. Maldição, castigo de deus. Infinita felicidade dos animais que não pensam. Algo está errado ali, dentro do crânio, lhe diz o manual de psicologia de senso-comum brasileiro. Sabe o que há de errado: falta contato, falta cheiro, falta toque. Faltam braços e olhos e boca e pernas e seios. Envia uma mensagem de texto e recebe outra em seguida. O mercado de sms ainda está aquecido: há demanda e há oferta, todo tempo e toda hora, inclusive às quatro da manhã. Há solidão por todo o lado. Devia comprar ações de telefonia. Levanta novamente. Houve contato, nem tudo está perdido. Falta toque, é necessário tocar, sentir, pegar, mexer, tatear, apalpar, apertar. Na sala, liga o vídeo-game. Segura firme o controle e deixa os dedos brincarem alegres.