"Até mesmo o silêncio é um texto."

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Três

Pensando em algo bom para comemorar os três anos do blog... #semideias #semtempo


Opa, aqui não é o twitter...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Creatures.

Sentado naquela mesa de dois lugares que não me agradava, bem em frente ao buffet, eu mastigava uma beterraba mal-cozida e sem sal. Tudo bem, eu só estava comendo primeiro o que era ruim, pra depois poder me rechear dos três tipos de macarrão com os quais eu forrara meu prato. Eu tinha muito tempo até ter que voltar ao trabalho, muito tempo mesmo. Então era isso, eu mastigava bem devagar e olhava tudo ao meu redor. Essa era uma coisa legal que eu costumava fazer, contudo eu tinha deixado de fazê-lo, por esquecimento ou por relaxamento ou sei lá o quê.

Entornei um pouco de suco de uva, com sabor de tangerina e cor de tamarindo, e olhei ao redor. Vi uma gorda ridícula que encheu o prato com carne e massas e muito mais batatas fritas e, num cantinho irrisório, pequenas rodelinhas mínimas de tomates. Vi uma mesa com três colegas de colégio. Um deles estava curvado sobre o prato, quase comendo como um cachorro. Na cabeça dele um boné virado, não pára trás, nem para o lado, mas na diagonal. Ridículo! Além da falta de etiqueta de usar boné na refeição, o maldito marginal ainda usava como se fosse um rapper americano contra o sistema. Eu era contra o sistema, sempre fui. Na verdade, eu sou contra tudo o que vem da ou vai para matemática. As pessoas passavam pelo Buffet e eu podia ver exatamente o que elas serviam. Eu achava muito engraçado aqueles que serviam somente plantas. Não, na verdade, sem ironias ridículas, eu tinha vontade de voar nos pescoços deles e mandar comer um legítimo pedaço de carne sangrenta. Os meus olhos semicerrados não entendiam a lógica daquela sensação. Muito mais fácil deixá-los secar sem fibras, deixá-los empalidecer até o derradeiro fim.

Derradeiro fim. Eu tinha pensado muito naquilo tudo de derradeiro fim durante a semana, meditando umas linhas legais pra fazer uma crônica daquelas de rachar o crânio de católicos ortodoxos e até de crentes fervorosos naquelas religiões do demônio. Pensei em alguma coisa, mas não sobrou nada de aproveitável naquele momento. Se eu tivesse uma cerveja comigo, ou milhares de cervejas, aposto que eu teria mil e quinhentas crônicas sobre o assunto prontas na ponta dos dedos.

Mas aí, enquanto eu me ria por dentro acerca do marginal, eis que aparece um casal pra se servir na fila do Buffet. O cara era careca e estava de costas pra mim. A moça era muito bem aprazível e eu poderia comê-la muitas vezes num mesmo dia, tinha uma boca que eu adoraria que estivesse chupando uma coisa que não era pirulito. Estava eu pescando algumas batatas fritas com o garfo e comendo com a maior não-pressa que já tive. A minha cara de desinteresse por qualquer coisa poderia conotar uma “esnobilidade” incrível para com o mundo, e acho que era isso mesmo. Ela abraçou o careca e encarou-me com um sorriso que eu não saberia adivinhar o significado nem em mil anos. Olhei pra sua boca, depois encarei também os seus olhos. Mantive a cara esnobe e desinteressante, mastigando de qualquer jeito uma das batatas.

Pensei o quão recheado de criaturas incompreensíveis é o mundo. O ser tentando a todo momento trair o outro, provocar, pelo menos. Sempre pelas costas, tudo pelas costas. Aí eu senti-me muito estranho. Era como se eu não fizesse mesmo parte desse mundo. Como se todas as pessoas fossem um estranho enxame de insetos venenosos e eu era obrigado a viver entre eles, pegando aos poucos o veneno, simplesmente para me sentir parte. Tendo que interpretar a todo momento uma coisa que eu não era e nem queria ser. Eu tinha que absorver as coisas podres de toda comunidade e depois, enquanto ninguém estivesse olhando, cuspir fora e ser normal, ser normal como eu quisesse, sem ceninhas, sem interpretações, sem papéis a cumprir.

Olhei pra rua e vi pessoas caminhando com pressa para chegar no horário marcado de alguma porra qualquer. Meu prato já estava vazio. Meu cérebro, também. Tudo o que eu conseguia pensar era: “merda, preciso de uma cerveja!”

10/03/2009

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Respostas.

Pensei na vida e na morte e em tudo o que está no meio. Acabei perguntando para ele, talvez a criança soubesse:

-Por que a gente vive, hein?

O pequeno respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, como se todo mundo soubesse essa resposta, assim como se sabe que dois mais dois são quatro:

-Porque tem que viver, ué!

10/12/2008

quarta-feira, 11 de março de 2009

Blank.

De súbito abri os olhos. Vi piscando no teto os reflexos das luzes que lançava o celular, enquanto vibrava e dançava na estante do lado da cama. Tirei o braço do quente das cobertas para lançá-lo ao frio e apanhar o aparelho que enchia o silêncio da noite com Wind of Change. Coloquei o visor à frente do rosto, o que fez minhas pupilas arderem e tive que fechar os olhos. A música insistente e alta me obrigou a forçar a vista, e depois de ela adaptar-se à toda aquela luminosidade, pude ler: “Alemão chamando!”. “Ai Lindomar, fala pra mim que você não fez isso...” foi tudo o que eu pensei.

-Alô Gugu, isso são horas? - mas que horas eram aquelas? Eu não sabia bem.

- Uaah, Gian! A gente ta aqui na frente. Tá?

- Mas..?! Tá...

Desliguei e logo olhei o relógio. “02:33”. Levantei e vesti o casaco. O rádio mostrava que o cd do Maná tinha há muito parado de tocar, deixando a luz vermelha da última faixa iluminando o quarto. Desliguei também o rádio, coloquei os chinelos de pano e fui para frente de casa. Só os bruxos pra fazer uma coisa como aquelas! Abri a porta de ferro e vi o Fiesta parado em frente ao portão, de um lado a silhueta do Gugu, do outro, a do Rato, e esse conversava com um terceiro que estava ainda sentado dentro do carro. Sorri e disse:

- “Fala pra mim que você não fez isso”...

- Gian, tira essa roupa e vamo no Rock! - Os olhos ainda estavam sonolentos, o frio subia sorrateiro pelas minhas pernas, e alguma coisa no meu cérebro avisava qualquer coisa sobre uma prova de vestibular que eu faria amanhã. Não... hoje! Fiquei pensando um pouco, olhei para os próprios pés e esfreguei os olhos.

- Ta, já venho aí...

Quando fui lavar o rosto para sair, sem querer deixei entrar sabão nos olhos. Ardeu.

Lá dentro do Rock a coisa foi bem louca. Eu já tinha visto que aquele terceiro que estava dentro do carro era, na verdade, uma terceira. A Tuta, amiga nossa. Achamos rapidamente uma mesa pra jogar sinuca, e, tão logo quanto, uma caipirinha nos encontrou. Rimos bastante, bebemos o bastante. Tivemos uma noite daquelas!
E então voltamos.
No portão de casa, despedi-me dos bruxos e, assim que fechei a porta, senti uma necessidade de evacuar. No caminho até o banheiro, fui abrindo o cinto com certa dificuldade. Levantei a tampa e sentei no assento gelado, mas não senti tanto impacto, eu tinha bastante caipirinha no corpo. Fiquei muito tempo ali sentado, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a mente voando longe, até que me ocorreu que aquela vontade não passara de um alarme falso. Passei o papel à guisa de conferência, só pra ter certeza. Feito isso, levantei contente e fui para frente do espelho da pia, pegando já minha escova de dentes. Meu sorriso refletido mostrava que eu estava pleno de alma.

De repente, parei com a escova nas mãos, fitando meus olhos azuis no espelho. Eu não sorria mais, acabava de me dar um branco. Não conseguia lembrar do que se passou em minha mente desde o momento em que sentei na privada até ali. Foi como se eu tivesse pulado aquela porção do tempo, embora eu tivesse a certeza de que eu vivera aqueles momentos e tivera pensamentos realmente felizes. E agora não conseguia recordar. Perguntando a mim mesmo no espelho o que havia acontecido nos porões da minha mente, não obtive resposta. Contudo eu tinha certeza que até mesmo o sentido da vida eu tinha descoberto. E agora estava tudo perdido, naquela breve página branca do livro da minha vida.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Como saber quem me bloqueou no msn!

- Digita aí o nome da mulher

- Fala.

- Maria Elaine de Oliveira Pênis.

- O QUÊ?

- Ta escrito aqui...

- Deixa eu ver! Dá aqui!

- To...

- Maria Elaine de Oliveira... Pinto!! Ah, seu trouxa!!

- Devia ter visto a tua cara...

- Bom, é um nome bem incomum, fiquei espantado, claro...

- Que nada, tu tava é louco pra ver um pênis.


27/02/2009

domingo, 25 de janeiro de 2009

Duas vezes você.

Eu tinha bebido mais de um litro já. O bar ao meu redor fervia de animação, entusiasmo e gente e mais gente. Corri ao banheiro, eu tinha que me aliviar urgentemente. Tinha segurado o máximo e agora eu calculava se ia ter mais de dez ou menos de dez caras na fila. Entrei porta adentro.

O banheiro estava maior do que o normal. Estava com as paredes vermelhas. As pias alongavam-se na parede da esquerda, com um espelho enorme. Os mictórios ficavam à direita. Lá no fundo, duas casinhas com vasinhos. Percebi um cara num dos mictórios, e outro a pentear os cabelos recém molhados. Olhei através do espelho para o rosto dele. Era eu quem estava ali.

Cheguei mais perto, analisando suas roupas de branco impecável, camisa abotoada, relógio dourado e um óculos supermoderno. Usava sapatos do tipo que tem fivela de metal. Fiquei ao seu lado e fitei o seu rosto. Sua inteligência madura dizia que era mais velho que eu por alguns anos. Os olhos eram de um azul límpido, mas convicto. A pele resplandecia lisamente sem nenhum pelo. Seus cabelos brilhavam a luz amarelada do teto. Ele não sorria, mas seu rosto era alegre, nenhuma marca de sofrimento. Ou seria a lividez de um rosto que já muito sofrera? Não sei se vi direito, mas do bolso da camisa saltava um diploma. Ele terminou com o cabelo, olhou para mim tranqüilo, com o olhar atencioso daqueles que sabem que o outro precisa de alguma palavra exata.

- Garoto, o mundo pode parecer horrível às vezes, mas essa é uma impressão errônea e pontual. Pode não parecer, mas tudo isso que você está passando vai terminar em algo muito melhor!

Então aquele meu “eu” mais velho sorriu, ajeitou a gola e saiu caminhando tranqüilamente.


Nisso, veio limpar-se o outro cara, que estava no mictório. Seu andar era pesado e esnobe. Calçava os mesmos tênis que eu. Camisa preta meio surrada e calças jeans desbotadas. Olhei para o seu rosto. Por entre a barba espessa, vi outro de mim. Ele era ainda mais velho que o outro.

Este tinha os olhos turvos. Olhou-me como a perguntar o que eu queria, por que o estava encarando. Sorriu com desprezo e foi lavar as mãos. Ficou muito tempo naquele trabalho, e eu não tirei os olhos de cima. Parecia distante, compenetrado ao extremo para formar alguma frase difícil. Os cabelos eram revoltos. Um brinco de vidro na sua orelha esquerda reluziu.

Finalmente, fechou a torneira. Olhou com inveja para mim.

- Guri, não fique com esperança numa frase com reticências. Entenda-as como um não. Difícil é; eu que sei. Eu não fiz isso e agüento até hoje. Se eu tivesse me concentrado em estudar ou qualquer outra coisa que não fosse ela, esse brinco hoje seria de diamante.

Sua voz saíra rouca e com odor de cigarro. Ficou olhando por sobre mim algum tempo. Em seguida, saiu trôpego pela porta. Os olhos dele tinham um brilho estranho. Ele tinha esquecido a braguilha aberta.

Estava eu ali, sozinho no banheiro vermelho, confuso. Aquilo tinha mesmo acontecido? Eu bebera bastante, mas não o bastante pra aquilo. Sacudi a cabeça para afastar os pensamentos distorcidos. Pensei nela.

Sacudi a cabeça mais uma vez, e fui até um dos vasinhos me aliviar.



18/10/08