"Até mesmo o silêncio é um texto."

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Quatro anos!

(In DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memória da casa dos mortos, tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes. L&PM , 2008.)
"No nosso alojamento, e nos outros também, havia sempre mendigos, pedinchões que, ou tinham perdido tudo no jogo e na bebida, ou, simplesmente, eram pedinchões por natureza. Digo "por natureza" e insisto particularmente nessa expressão. Na verdade, em todas as partes onde nos encontremos, qualquer que seja o ambiente, quaisquer que sejam as circunstâncias, há e sempre há de haver alguns homens estranhos, agradáveis, e que muitas vezes não são nada tolos, mas que o destino determinou que fossem eternamente uns mendigos. São sempre uns pobres-diabos, uns mendicantes, parecem sempre intimidados e de ar abatido, não se sabe por que, e que são sempre os alcoviteiros de alguém, o seu correio particular, geralmente daqueles que andam na boêmia e dos que enriquecem de um dia para o outro e se vão elevando acima dos demais. Todos os começos, todas as iniciativas... para eles, são dolorosos e difíceis. Dir-se-ia que nasceram condenados a não serem nunca os primeiros a começar qualquer coisa, limitando-se a secundar os outros, a viver dependentes de sua vontade, a bailar conforme os outros tocam; o seu destino... é cumprir o dos outros. Ainda que tudo em que tomam parte se conclua favoravelmente, nenhuma circunstância, nem mudança alguma podem enriquecê-los. Hão de ser sempre mendigos. Tive ocasião de observar que esses indivíduos não formam uma casta única, e que se encontram em todas as sociedades, classes, partidos, nas redações dos jornais e nos grupos de acionistas. Pois sucedia o mesmo em cada alojamento, em todo o presídio, e bastava que se falasse de maidan [jogo de cartas no qual se apostava dinheiro] para que logo se apresentasse algum desses tipos oficiosos. De maneira geral, até, não podia haver maidan sem um desses."