"Até mesmo o silêncio é um texto."

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Final

Pra ser sincero, não lembro quando exatamente foi a terceira noite. Talvez já no dia próximo, talvez no outro final de semana. Quebrei a cabeça tentando recordar, mas já me é impossível. Faz mais sentido pensar que foi no final de semana, pois todas as meninas participaram.
Então que naquela noite a boa era caipirinha. Limão, açúcar e vodka. As melhores coisas da vida são também as mais simples, dizem. Nossa amiga Paulista bebia como fosse água, e nossa amiga Gaúcha esquentava minha orelha mais uma vez com aquela conversa de "eu não vou cuidar de bêbado", ao que eu replicava um sorridente "não te preocupa" enquanto levava o copo cheio para a gente sabe quem. À noite foi indo com várias risadas e copos indo e vindo, cada vez com menos limão, cada vez com mais vodka.
Até que a Paulista surtou.
- Eu vou ligar pro Vítor!
- Não, você tá louca, não - retrucava a curitibana, num desespero tão preocupado que parecia simulação. A voz semi-ofegante e os olhinhos brilhando, alcoolicamente umedecidos.
- Eu preciso, cadê meu telefone??
Eu de pé, encostado à pia, com o copo à mão, sorria de leve. Entretanto, uma das minhas sobrancelhas começava a alçar-se...
- Não, Paulista, você tá bêbada, meu!
Ela levantou-se, visivelmente inebriada, à procura do telefone.
- Não, meu, não faz isso!
Também falou a Gaúcha:
- Para, Paulista. Tu não tá em condições de falar com o Vítor. Se tu ligar pra ele assim, tu só vai piorar as coisas.
Ela olhava pra cá e pra lá, procurando o telefone, que a Curitibana já havia pego.
- Por favor, eu tenho que ligar pra ele - e agora era quase um leve choro.
Puxei uma cadeira até onde ela estava.
- Senta aqui e te acalma.
- Isso, senta ali que vou pegar um copo d'água pra ti...
Bebeu um gole e botou de lado. Então, de supetão, levantou da cadeira e foi em direção ao precioso telefone. Não consigo pegá-lo, contudo. A outra menina foi mais ligeira. Peguei-a pela cintura e trouxe de volta à cadeira.
- Tu tem consciência que o que quiser que tu diga pra ele, vai transparecer que tu tá alterada e andou bebendo? Não tem como isso ser uma boa ideia.
Tudo chegou a um ponto em que eu, posicionado atrás dela, segurava gentilmente seus braços contra os da cadeira, enquanto ela murmurava que a Curitibana ia roubar o telefone dela. Eu a acalmava e fazia pouco das coisas ridículas que ela falava.
A certa altura, reparei que as duas outras se tinham retirado e cochichavam lá na porta de entrada. Cheguei meu rosto perto do dela e delicadamente trouxe seu queixo em minha direção. Era eu debruçado sobre o encosto da cadeira onde ela sentava e virava o pescoço, de forma que as duas bocas pudessem se encontrar. Beijamos por segundos, até que percebi que as duas caminhavam pelo corredor, vindo em nossa direção.

Não lembro o que aconteceu depois. Ela certamente se foi acalmando à medida que o àlcool foi deixando o cérebro. A única memória que tenho depois daquele beijo é de estar recostado no corredor em frente à porta do banheiro, onde ela estava. A impressão que tenho é de estar cuidando dela, enquanto as outras meninas tinham desaparecido. Estavam dormindo, provavelmente. Esperava ela sair porque visivelmente passava mal e só a deixara entrar depois de me prometer que não trancaria a porta.
Demorava a sair.
Bati na porta. Ninguém respondeu. Tentei novamente. Mais uma vez as batidas ecoaram pelo silencioso corredor. Entrei no banheiro.
Encontrei-a deitada de bruços na lajota fria do banheiro. Olhos fechados, boca semi-aberta. Um bocado de baba/vômito no chão perto do rosto. Um pedaço de papel higiênico, também. Acordei-a e a ajudei a levantar.
- Lava o rosto.
Ela resmungou qualquer coisa.
- Quê?
- Para...
- Lava logo eu vou te levar pra cama.
- Para, não quero que você me veja assim...
Abriu a torneira e lavava o rosto, enquanto eu dizia:
- Deixa de besteira, todo mundo já teve seus dias de porre e dormiu no banheiro...
Virou o rosto molhado pra me fitar.
- Você já?
Sorri.
- Não. Mas é normal...
- Ai, que vergonha.
Secou-se.
- Vem, vamos, vou te colocar na cama.
Ela virou-se e pude ver a blusa úmida de algo que eu não sabia - e nem queria saber - o que era. Segurei-a pela cintura e guiei-a pelos três ou quatro metros que separavam a porta do banheiro da do quarto.
- Tu não precisa fazer isso... Não precisa me cuidar... Por que tá fazendo isso... - a voz dela vibrava sonolenta e manhosa.
- Todo mundo precisa de ajuda, uma hora ou outra.
Chegamos à beirada da cama do casal que, na verdade, eram duas camadas de solteiro ajuntadas.
- Tira a blusa, tá toda molhada. Eu te ajudo.
- Não! Não quero que tu me veja nua...
"Ah tá..." pensei.
- Tudo bem, então tira tu mesma.
De costas pra mim, tirou rapidamente a blusa e atirou-se na cama.
- Por que tá fazendo isso... - ainda murmurou sonolenta.
- Boa noite.
- Boa noite...
Virei-me e apaguei a luz. Segurei a maçaneta da porta com minha mão direita e dei um passo à frente. Ia puxar a porta, quando a ouvi dizer, claramente, embora a voz tivesse saído abafada pelo travesseiro no qual ela afundara a cara:
- Eu te amo!

Congelei por meio segundo. O braço esticado, a mão na maçaneta. As pernas abertas e o tronco levemente inclinado à frente, ainda esperando para terminar o movimento de saída. As palavras ecoaram em meus ouvidos. Pensei no que aquilo significava.
Suspirei pesadamente e saí, fechando a porta atrás de mim.

Um comentário:

Schiavoni disse...

Já está mimando demais, vai se desacostumar...