"Até mesmo o silêncio é um texto."

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Creatures.

Sentado naquela mesa de dois lugares que não me agradava, bem em frente ao buffet, eu mastigava uma beterraba mal-cozida e sem sal. Tudo bem, eu só estava comendo primeiro o que era ruim, pra depois poder me rechear dos três tipos de macarrão com os quais eu forrara meu prato. Eu tinha muito tempo até ter que voltar ao trabalho, muito tempo mesmo. Então era isso, eu mastigava bem devagar e olhava tudo ao meu redor. Essa era uma coisa legal que eu costumava fazer, contudo eu tinha deixado de fazê-lo, por esquecimento ou por relaxamento ou sei lá o quê.

Entornei um pouco de suco de uva, com sabor de tangerina e cor de tamarindo, e olhei ao redor. Vi uma gorda ridícula que encheu o prato com carne e massas e muito mais batatas fritas e, num cantinho irrisório, pequenas rodelinhas mínimas de tomates. Vi uma mesa com três colegas de colégio. Um deles estava curvado sobre o prato, quase comendo como um cachorro. Na cabeça dele um boné virado, não pára trás, nem para o lado, mas na diagonal. Ridículo! Além da falta de etiqueta de usar boné na refeição, o maldito marginal ainda usava como se fosse um rapper americano contra o sistema. Eu era contra o sistema, sempre fui. Na verdade, eu sou contra tudo o que vem da ou vai para matemática. As pessoas passavam pelo Buffet e eu podia ver exatamente o que elas serviam. Eu achava muito engraçado aqueles que serviam somente plantas. Não, na verdade, sem ironias ridículas, eu tinha vontade de voar nos pescoços deles e mandar comer um legítimo pedaço de carne sangrenta. Os meus olhos semicerrados não entendiam a lógica daquela sensação. Muito mais fácil deixá-los secar sem fibras, deixá-los empalidecer até o derradeiro fim.

Derradeiro fim. Eu tinha pensado muito naquilo tudo de derradeiro fim durante a semana, meditando umas linhas legais pra fazer uma crônica daquelas de rachar o crânio de católicos ortodoxos e até de crentes fervorosos naquelas religiões do demônio. Pensei em alguma coisa, mas não sobrou nada de aproveitável naquele momento. Se eu tivesse uma cerveja comigo, ou milhares de cervejas, aposto que eu teria mil e quinhentas crônicas sobre o assunto prontas na ponta dos dedos.

Mas aí, enquanto eu me ria por dentro acerca do marginal, eis que aparece um casal pra se servir na fila do Buffet. O cara era careca e estava de costas pra mim. A moça era muito bem aprazível e eu poderia comê-la muitas vezes num mesmo dia, tinha uma boca que eu adoraria que estivesse chupando uma coisa que não era pirulito. Estava eu pescando algumas batatas fritas com o garfo e comendo com a maior não-pressa que já tive. A minha cara de desinteresse por qualquer coisa poderia conotar uma “esnobilidade” incrível para com o mundo, e acho que era isso mesmo. Ela abraçou o careca e encarou-me com um sorriso que eu não saberia adivinhar o significado nem em mil anos. Olhei pra sua boca, depois encarei também os seus olhos. Mantive a cara esnobe e desinteressante, mastigando de qualquer jeito uma das batatas.

Pensei o quão recheado de criaturas incompreensíveis é o mundo. O ser tentando a todo momento trair o outro, provocar, pelo menos. Sempre pelas costas, tudo pelas costas. Aí eu senti-me muito estranho. Era como se eu não fizesse mesmo parte desse mundo. Como se todas as pessoas fossem um estranho enxame de insetos venenosos e eu era obrigado a viver entre eles, pegando aos poucos o veneno, simplesmente para me sentir parte. Tendo que interpretar a todo momento uma coisa que eu não era e nem queria ser. Eu tinha que absorver as coisas podres de toda comunidade e depois, enquanto ninguém estivesse olhando, cuspir fora e ser normal, ser normal como eu quisesse, sem ceninhas, sem interpretações, sem papéis a cumprir.

Olhei pra rua e vi pessoas caminhando com pressa para chegar no horário marcado de alguma porra qualquer. Meu prato já estava vazio. Meu cérebro, também. Tudo o que eu conseguia pensar era: “merda, preciso de uma cerveja!”

10/03/2009

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