Provavelmente a chuva caía, criando uma sonoridade que colaborava para a sonolência, quando eu fiz o o telefone celular parar de tocar o despertador. Provavelmente por culpa dela acabei acordando trinta minutos depois do que deveria e, consequentemente, acabei perdendo o ônibus. Tive então que pegar o metrô. Parecia que seria um dai ruim.
Entrei na estação de São Leopoldo, fechei o guarda-chuva que pingava e me pus na enorme fila para comprar um ticket. Depois, entrei no trem e até consegui um lugar para sentar. Não estava indo tão mal, afinal. E não foi, o dia correu sem nenhuma incomodação, nem de leve. Maus presságios são tão falhos quanto a meteorologia, que não tinha previsto chuva para aquela segunda-feira.
Fui-me para a capital gaúcha com o ronco dos trilhos que perturbava a leitura do Quixote. Caminhei até o trabalho, trabalhei e voltei a tomar o metrô. Tumulto na estação do Mercado. Muita gente à mesma hora, no mesmo lugar. Paciência, cidade grande é isso. Entrei no trem, mas dessa vez já não tinha lugar para mim. Fiquei de pé e, a cada nova estação, a cada nova parada, entravam mais pessoas, de modo que eu tinha de me ajeitar para cá ou para lá. Pelo menos, na estação em Canoas, o vagão esvaziou substancialmente. Ali também desceu aquele jovem trajado de rapper americano, o qual deixara ligado o seu celular em um volume superior ao barulho vindo dos trilhos, tocando músicas que nem ele mesmo podia entender. Talvez ele só estivesse sendo gentil, proporcionando som ambiente para um vagão que não possuía rádio, mas eu não agradeci a sua gentileza.
Duas estações depois, arranjei um lugar nos bancos. Deixei as costas eretas e me pus a mirar pela janela, mesmo que não houvesse nada para se ver senão fabriquetas ou casebres amontoados sob um céu cinza. Por um instante pensei em igualdade para todos e socialismos, em outro, lembrei do jovem do celular. Terminei em cima do muro. Desviei os olhos daquela tristeza e comecei a observar a pouca gente que ainda restava sentada aqui ou ali. À esquerda, no fundo do vagão, um casal me chamou a atenção. O homem aparentava ser muito mais velho que ela e, abaixo do boné azul, carregava uma expressão abatida. Vestia jeans e um casaco simplório e seu rosto, apesar de abatido, mostrava dignidade. Ao seu lado, a moça de pele cor de cuia trazia a juventude camuflada, vestia jeans e tênis preto de homem, assim como o blusão amarelo escuro não exibia suas formas. Ela tinha o cabelo negro preso em um rabo de cavalo e o seu rosto era de uma beleza persistente, por mais que o resto de seu corpo quisesse mostrar o contrário. Nos olhos dela, havia compaixão. Porém, nada disso teria validade se eu não tivesse pousado as vistas naquele humilde casal no momento exato em que ela entrelaçava seus dedos na mão dele, apertando-a e falando-lhe algo com um sorriso triste e esperançoso. Ele não fez nada além de retribuir o aperto firme na mão. Ela entendeu e tentou manter o sorriso, olhando para além das janelas.
Eu entendi algo sobre a união entre um homem e uma mulher. Percebi que não foram feitos para viverem como seres separados; que não são animais, nem máquinas. Senti um ímpeto gay (alegre) de abraçar e ser abraçado, escutando música sob um telhado de chuva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário